quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

El Álamo, berço do Texas


David Crockett foi o primeiro herói americano com que tomei contacto, através de um livro sobre a sua vida, que meu pai me deu, quando eu era criança.

Uns 40 anos depois, é com emoção que estou no lugar da sua morte, na antiga missão de San Antonio de Valero, também conhecida por Álamo, na actual cidade de San Antonio de Texas.



San Antonio de Valero começou por ser uma missão de Franciscanos espanhóis, dedicada a Santo António de Pádua - o nosso Fernando de Bulhões, nascido em Lisboa e falecido em Pádua sob o nome religioso de António - e ao vice-rei Marquês de Valero, que apoiou política e financeiramente a criação da missão, destinada à educação e conversão dos índios ao Cristianismo.


Recriação artística do que deveria ter sido a vista dos claustros desde a janela de uma das celas monacais


El Álamo, em Abril de 1836 é um dos principais episódios da História do Texas e marcou o grande momento aglutinador que levou à independência da República do Texas face ao México. Embora os seus protagonistas principais tenham sido os texanos, na sua maioria colonos dos vizinhos Estados da União (futuros USA), e o exército mexicano, comandado pelo general Sant'Anna - cujo primeiro nome, ironicamente, era também António de Pádua -, não se pode dizer que esta tenha sido uma guerra entre México e USA.

Há que ir à História interna do México e entender o episódio dos movimentos centralista versus federalista para se compreender o porquê da vontade de independência do Texas. Uma vontade que também foi expressa por outros Estados mexicanos, como Yucatan (em 1841 e só integrado na República Federal do México em 1848) e como Zacatecas (em 1835 e cedo sufocado pela brutalidade de Sant'Anna).

Só depois do Texas integrar a União norte-americana de Estados, em 1845, é que este conflito toma outras proporções, levando à derrota do México e consequente concessão dos territórios da Califórnia, Utah e Nevada, bem como de partes is actuais Estados do Colorado, Arizona, Wyoming e Novo México, pelo Tratado de Guadalupe Hidalgo. Uma perda de território a troco de 15 milhões de dólares na época (hoje cerca de 349,5 milhões) bem como da assumpção por parte dos USA do pagamento dos mais de 3,5 milhões de dólares (uns actuais 81,55 milhões) de dívidas dos próprios mexicanos a cidadãos norte-americanos. As restantes áreas do Arizona e do Novo México foram adquiridas pelos USA, posteriormente, por 10 milhões de dólares, equivalentes a 233 milhões hoje em dia. O que é interessante: um país vencedor de uma guerra pagar uma choruda indemnização ao país vencido. Só mesmo os USA!


Rendição do general Sant'Anna (deitado sobre a manta, debaixo da árvore) ao exército dos Estados Unidos - quadro no Capitólio de Austin, Texas


Mas voltemos a Álamo. Em 1793, Espanha secularizou 5 das suas missões religiosas no México, sendo Santo António de Valero uma delas. As suas terras foram distribuídas pelas famílias indígenas aí residentes, à sombra do convento franciscano. Nos inícios de 1800, o exército estabeleceu aí uma unidade móvel de cavalaria para policiamento e defender a região dos ataques dos índios. É a partir de então que o local começa a ser conhecido por Álamo, quer devido aos álamos (vidoeiros) aí existentes, quer em honra à povoação de Álamo de Parras, no actual Estado mexicano de Coahuila, de onde provinha esta unidade volante de cavalaria. Foi também aí criado o primeiro hospital de que há registo no Texas.




Maquete da missão e depois aquartelamento de Álamo. Em primeiro plano as residências dos colonos. Do lado oposto o edifício das celas, armazéns, claustros e, finalmente a igreja de Santo António

Gravura sobre o aspecto de Álamo na altura da revolta texana


Desde esse período e até 1835, o próprio governo colonial espanhol e posteriormente o governo mexicano, estimulou o estabelecimento de colonos dos vizinhos USA, para desenvolvimento económico da região. São estes colonos que na questão do centralismo versus federalismo mexicano, defendem o Texas independente e federado no México, melhor capaz de gerir o seu destino, face aos longínquos e corruptos políticos de um país centralizado na sua capital, Ciudad do México.

As pretensões independentistas do Texas inserem-se ainda no movimento independentista mexicano, face a Espanha, e vivido na década anterior. É nesse contexto que cerca de 170 rebeldes texanos, quer de origem latina e índia (tejanos), quer de origem anglo-saxónica (texans), ocupam, em Dezembro de 1835 a antiga missão de Álamo.

A resposta a esta ocupação é a mobilização de um exército mexicano de vários milhares de soldados, comandados pelo general Sant'Anna, que cercam Álamo a partir de 23 de Fevereiro de 1836, exigindo a rendição incondicional (o que implicava a morte) dos revoltosos. A resposta ao ultimato foi um tiro de canhão, disparado pelo próprio comandante rebelde, tenente-coronel William B. Travis, a que se seguiu um cerco com combates permanentes durante 13 dias.



William B. Travis - Capitólio de Austin, Texas


David Crocket - Capitólio de Austin, Texas



Pintura do Século XIX sobre o assalto a Álamo pelo exército mexicano


Os texanos, em que Travis foi auxiliado no comando por Jim Bowie, um rufião reputado no manejo da sua grande faca, e por David Crocket, já famoso pelas suas aventuras na fronteira e como político do Tennessee, resistiram sempre com esperança nos reforços, que só demasiado tardiamente chegaram ao local.

O assalto final das tropas mexicanas ocorreu na madrugada de 16 de Março. Canhoada, luta corpo-a-corpo ainda no lusco-fusco e foi ao nascer do sol que um vitorioso e brutal Sant'Anna entrou no pátio devastado de Álamo. Uma vitória que, todavia preparou a derrota final dos mexicanos, já que permitiu tempo ao Texas para se organizar política e militarmente, afim de continuar a guerra contra o México e alcançar a sua independência.


Sob estas árvores, hoje num parque ajardinado, foram queimados todos os cadáveres dos defensores de Álamo. Diz a tradição que nunca mais deram fruto.


O massacre de Álamo - onde todos os cadáveres foram incinerados sob a ordem de Sant'Anna, impedindo sepultura, mas também uma medida expedita contra a contaminação - foi o agente aglutinador para os combates seguintes: 'Lembrar Álamo' passou a ser o grito de libertação dos texanos e a antiga missão ganhou um estatuto maior simbólico, como o santuário da Liberdade de Texas!


A História contada numa maquette


Maquette do combate de Álamo, ataque à fachada da igreja


O tiro de canhão de resposta ao ultimato do general Sant'Anna


No interior de Álamo havia ainda mulheres e crianças que também foram massacrados


Jim Bowie e a sua temível faca



Pormenor das barricadas no pátio da missão


William B. Travis comandou os defensores de Álamo


O general Sant'Anna, comandante das tropas mexicanas


Outra perspectiva do tiro de resposta aos mexicanos


O realismo do fumo dos disparos das espingardas é conseguido com pequenas porções de fibras de algodão

O ataque mexicano nas traseiras da missão


O assalto às dependências anexas, na fuga os texanos esquecêram-se de destruir os seus canhões, que foram utilizados pelos mexicanos para devastar o interior do pátio da missão


Recantos e memórias




Uma das peças de artilharia espanhola que ainda dotavam a missão de Álamo

Na época, os arredores da missão tinham bastantes cactos, de distintas variedades e através dos quais se arrastaram os mensageiros que furaram o cerco mexicano em busca de auxílio



Carpas nadam pacificamente no troço do antigo canal de abastecimento de água à missão

O que resta da imagem de Santo António, colocada na fachada da Igreja, lado do Evangelho

O nicho de honra da imagem de Santo António, mostrando ainda as marcas dos combates

Na base da coluna do lado esquerdo do nicho é visível a marca circular do impacto de um dos tiros de canhão






O encanto bucólico das ruinas da missão. Um silêncio romântico. Uma memória trágica

Onde outrora acampou o exército mexicano, ergue-se agora o monumento aos heróis de El Álamo

2 comentários:

  1. Great post John. The many pictures add much to the story. No wonder Texans are a proud people.

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  2. Amigo João

    Gostei muito da forma como apresentaste a historia e nos fizestes regressar a um passado.
    Inseriste-lhe uma forma de ver e viver muito prória, ajudado maravilhosamente pelas diversas fotos que inseriste.
    Maravilhoso a conjugação de fotos e as tuas observações das mesmas, fazendo-nos sentir que estamos a viver em acção das mesmas.

    Meus sinceros PARABÉNS

    Aquele Abraço

    Paulo

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